quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

365 days writing: Bad Lovers

365 DAYS WRITING: #3 DIA - UMA HISTÓRIA/CONTO SEM NENHUM DIÁLOGO

                                                                 Bad Lovers

  Era plena quinta-feira e a garota de cabelos negros curtos já se encontrava em lamentável situação, sozinha em uma mesa de bar. Não estava deplorável, no entanto: bem arrumada, perfumada e com uma última gota de orgulho no peito que a impedia de chorar desesperada, havia escolhido o bar mais caro para afogar o rancor, a tristeza – o ódio? – e seja lá o que tivesse dentro de si. Ela combinava com o lugar, também. Os brincos dourados deixavam claro que ela não era uma estranha para aqueles preços extravagantes.

  Pediu uma cerveja preta assim que sentou. Do lado de sua mesa, uma cantora mirim berrava alguma música do Arctic Monkeys, o que abafava o som dos copos e conversas ao redor e fazia seu ouvido reclamar. Mal conseguia ouvir os próprios pensamentos. A verdade é que estava ali para se torturar, culpando-se por não ter conseguido coragem suficiente para ter chamado o cara de quem gostava para sair. Não por falta de coragem, mas por falta de tempo: quando finalmente havia decidido o que fazer, não chegou a tempo de encontrar o sujeito na sala de aula. Não haviam números, não haviam e-mails. Nem um endereço para enviar uma carta! Isso era frustante.

  O gosto da cerveja descia sem aquele gosto bom do qual se lembrava, mas seguia copo atrás de copo até finalmente pedir a segunda garrafa. Foi aí que um sujeito alto e com um sorriso irritante apareceu, tomando o lugar vago na mesa e se candidatando a ser a boa companhia da noite. Que fosse! Pelo menos poderia desabafar, afinal. Quando notou estava na terceira garrafa, dividindo com o tal de Arlindo, mas que podia chamar de Lindo porque o Ar havia perdido. Na verdade o nome dele era Lúcio, como descobriu depois, e apesar de cantadas limitadas ele tinha um bom papo. Era preciso gritar para conseguirem ouvir um ao outro acima dos urros da cantora, mas valia o esforço: falaram sobre tudo, mesmo o que não tinha para falar. Aliens, música, cerveja, histórias de escola, sonhos. Ela desabafou e toda aquele drama trágico da garota foi tão estranho para ele que, no fim, ambos riram. Então decidiram ir para um lugar onde pudessem ouvir os próprios pensamentos, ou o que restava deles. Ela realmente não sabia quantas cervejas mais havia tomado, mas ao menos conseguia andar sem tropeçar. Veria no extrato do cartão depois, se tivesse coragem.

  Sentaram na sarjeta depois de perceberem que não tinham realmente um lugar para ir. Apenas ficaram lá, sorrindo, até ela pegar o próprio celular e mandar a primeira mensagem: o pedido de um número de telefone. Sorriu com a desculpa que conseguiu criar, apesar do álcool, e guardou novamente o telefone. Lúcio queria comprar mais bebida.

  Foram na lojinha mais próxima e compraram uma garrafa de vodka. Ela tomou apenas um gole para fazer careta e reafirmar o quanto não gostava daquilo. Quando Lúcio já havia deixado a garrafa na metade, usou o número que havia recebido por mensagem para chamar o tal sujeito que a levara até ali. Ia chamar ele para sair! Enquanto esperava a resposta foi até a loja de bebidas mais uma vez e comprou duas cervejas como desculpa para poder usar o banheiro em paz. Céus, dessa vez ela realmente estava contrastando com aquilo tudo. Os brincos ainda brilhavam, apesar de não ter mais tanto batom nos lábios quanto tinha ao chegar. Mas ela já se sentia parte daquilo, como se pudesse sentir a si mesma vibrando felicidade novamente, sentindo-se rejuvenescer naquela noite tão errada e ao mesmo tempo tão certa. Não havia tristeza, havia adrenalina! Ainda conseguia rir da última piada feita, minutos atrás, assim como conseguiria rir da primeira da noite caso se lembrasse dela!

  Sairam dali e foram para uma praça onde haviam outros jovens. Ainda falavam sobre tudo e ela ainda desabafava sobre o outro. Falavam sobre eles, também. Era engraçado como haviam ficado tão íntimos. Quando ela terminava a primeira garrafa, um homem robusto se aproximou e ofereceu alguma coisa que ela não ouviu bem - o ouvido ainda reproduzia ruídos da voz da mulher do bar. Era um saquinho plastico pequeno com algo verde dentro. Lúcio pagou cinco reais e enfiou o negócio no bolso da calça, continuando o que quer que falassem como se não fosse nada. Bem, ela não sabia se era alguma coisa. Foi só quando mais alguma hora se passou e ouviram uma sirene de algum lugar próximo que ela pensou na possibilidade daquilo dar algum problema e, naquele momento, Lúcio já tirava o pacote do bolso com certo desespero e entregava a ela.

  Estava tudo bastante perfeito até ali e era até deprimente a forma idiota como o outro estragou. Na verdade, ele estava ajudando ela a falar com o sujeito! De uma forma meio bêbada e tropeçada, eles conseguiam bolar umas respostas bacanas. Ela não tinha tido coragem para chamar ele para sair, mais uma vez, mas então ele havia tomado o celular de sua mão e enviado a mensagem curta e direta: 'topa beber depois no dia?'. Não era uma oração perfeita, haviam formas mais bonitas para ter chamado, mas para um bom entendedor estava compreensível.

  Quando a sirene apitou, tudo foi para algum lugar. A mão dele para o bolso, os olhos dela para o vazio do raciocínio que finalmente retomara como em uma piscada e se apagara novamente. Eles deram aquele olhar de "estamos ferrados, né?" e ele jogou o saco plástico no meio da moita atrás de si da forma mais discreta possível enquanto os policiais desciam da viatura e se aproximavam. Nada na revista. Pararam de perguntar tudo quando notaram a embriaguez, as respostas vagas e palavras tropeçadas, os risos sem sentido. Eles iam sair bem, sério. Até um dos policiais verem um brilho diferente no meio do mato, perto do banco onde os jovens estavam.

  Ela não falou nada, nem estava entendendo a situação, para falar a verdade. Não era com ela. Os policiais também não pareceram se importar em suspeitar apenas de Lúcio como dono daquilo e liberaram ela. Ela queria acreditar que Lúcio estava tão ocupado tentando inventar desculpas e alibis para os policiais que nem se lembrou de se despedir enquanto era levado para o carro, rumo à delegacia. A verdade era que ele não exatamente o que estava fazendo. Sabia que estava desesperado, então devia agir de forma desesperada, certo? Não havia se lembrado mesmo de se despedir da garota, ou ao menos de pegar seu número.

  Foi só no dia seguinte, depois de acordar na delegacia com uma dor de cabeça terrível, que se lembrava vagamente da menina. Droga, podia ter pegado o número dela, apesar de não lembrar muito do que falaram na noite anterior – sabia, ao menos, que ela era legal. Seu irmão mais velho pagou a fiança com cara feia e o arrastou pro carro, a caminho de casa para algum sermão que seria abafado depois por perguntas de como foi a noite. Queria lembrar. E de tanto querer lembrar, lembrou-se que tudo que havia no bolso era a resposta para os fragmentos perdidos da noite: tirou de lá um celular com capinha cor-de-rosa. Estava bloqueado com senha, mas nas notificações recentes era possível ler algumas mensagens. Perguntas de "onde você está?", imagens e uma mensagem de algum tal de Lucas com um "não", com direito a ponto final.

Sujeito grosso, pensou Lúcio, Deve ser amargurado na vida.

  Esperava que a menina não tivesse feito uma pergunta importante. De qualquer forma, veria se ia conseguir devolver o celular, se ia conseguir encontrar a dona. Aproveitaria para pegar o contato dela, então, e quem sabe chamar para sair mais uma vez.


  Sim, havia sido uma noite bem legal para ele...

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