Bad Lovers
Era plena quinta-feira e a
garota de cabelos negros curtos já se encontrava em lamentável
situação, sozinha em uma mesa de bar. Não estava deplorável, no
entanto: bem arrumada, perfumada e com uma última gota de orgulho no
peito que a impedia de chorar desesperada, havia escolhido o bar mais
caro para afogar o rancor, a tristeza – o ódio? – e seja lá o
que tivesse dentro de si. Ela combinava com o lugar, também. Os
brincos dourados deixavam claro que ela não era uma estranha para
aqueles preços extravagantes.
Pediu uma cerveja preta
assim que sentou. Do lado de sua mesa, uma cantora mirim berrava
alguma música do Arctic Monkeys, o que abafava o som dos copos e
conversas ao redor e fazia seu ouvido reclamar. Mal conseguia ouvir
os próprios pensamentos. A verdade é que estava ali para se
torturar, culpando-se por não ter conseguido coragem suficiente para
ter chamado o cara de quem gostava para sair. Não por falta de
coragem, mas por falta de tempo: quando finalmente havia decidido o
que fazer, não chegou a tempo de encontrar o sujeito na sala de
aula. Não haviam números, não haviam e-mails. Nem um endereço
para enviar uma carta! Isso era frustante.
O gosto da cerveja descia
sem aquele gosto bom do qual se lembrava, mas seguia copo atrás de
copo até finalmente pedir a segunda garrafa. Foi aí que um sujeito
alto e com um sorriso irritante apareceu, tomando o lugar vago na
mesa e se candidatando a ser a boa companhia da noite. Que fosse!
Pelo menos poderia desabafar, afinal. Quando notou estava na terceira
garrafa, dividindo com o tal de Arlindo, mas que podia chamar de
Lindo porque o Ar havia perdido. Na verdade o nome dele era Lúcio,
como descobriu depois, e apesar de cantadas limitadas ele tinha um
bom papo. Era preciso gritar para conseguirem ouvir um ao outro acima
dos urros da cantora, mas valia o esforço: falaram sobre tudo, mesmo
o que não tinha para falar. Aliens, música, cerveja, histórias de
escola, sonhos. Ela desabafou e toda aquele drama trágico da garota
foi tão estranho para ele que, no fim, ambos riram. Então decidiram
ir para um lugar onde pudessem ouvir os próprios pensamentos, ou o
que restava deles. Ela realmente
não sabia quantas cervejas mais havia tomado, mas ao menos conseguia
andar sem tropeçar. Veria no extrato do cartão depois, se tivesse
coragem.
Sentaram
na sarjeta depois de perceberem que não tinham realmente um lugar
para ir. Apenas ficaram lá, sorrindo, até ela pegar o próprio
celular e mandar a primeira mensagem: o pedido de um número de
telefone. Sorriu com a desculpa que conseguiu criar, apesar do
álcool, e guardou novamente o telefone. Lúcio queria comprar mais
bebida.
Foram
na lojinha mais próxima e compraram uma garrafa de vodka. Ela
tomou apenas um gole para fazer careta e reafirmar o quanto não
gostava daquilo. Quando Lúcio já havia deixado a garrafa na metade,
usou o número que havia recebido por mensagem para chamar o tal
sujeito que a levara até ali. Ia chamar ele para sair! Enquanto
esperava a resposta foi até a loja de bebidas mais uma vez e comprou
duas cervejas como desculpa para poder usar o banheiro em paz. Céus,
dessa vez ela realmente estava contrastando com aquilo tudo. Os
brincos ainda brilhavam, apesar de não ter mais tanto batom nos
lábios quanto tinha ao chegar. Mas
ela já se sentia parte daquilo, como se pudesse sentir a si mesma
vibrando felicidade novamente, sentindo-se rejuvenescer naquela noite
tão errada e ao mesmo tempo tão certa. Não havia tristeza, havia
adrenalina! Ainda conseguia rir da última piada feita, minutos
atrás, assim como conseguiria rir da primeira da noite caso se
lembrasse dela!
Sairam
dali e foram para uma praça onde haviam outros jovens. Ainda
falavam sobre tudo e ela ainda desabafava sobre o outro. Falavam
sobre eles, também. Era engraçado como haviam ficado tão íntimos.
Quando ela terminava a primeira garrafa, um homem robusto se
aproximou e ofereceu alguma coisa que ela não ouviu bem - o ouvido
ainda reproduzia ruídos da voz da mulher do bar. Era um saquinho
plastico pequeno com algo verde dentro. Lúcio pagou cinco reais e
enfiou o negócio no bolso da calça, continuando o que quer que
falassem como se não fosse nada. Bem, ela não sabia se era alguma
coisa. Foi só quando mais alguma hora se passou e ouviram uma sirene
de algum lugar próximo que ela pensou na possibilidade daquilo dar
algum problema e, naquele momento, Lúcio já tirava o pacote do
bolso com certo desespero e entregava a ela.
Estava
tudo bastante perfeito até ali e era até deprimente a forma idiota
como o outro estragou. Na verdade, ele estava ajudando ela a falar
com o sujeito! De uma forma meio bêbada e tropeçada, eles
conseguiam bolar umas respostas bacanas. Ela não tinha tido coragem
para chamar ele para sair, mais uma vez, mas então ele havia tomado
o celular de sua mão e enviado a mensagem curta e direta: 'topa
beber depois no
dia?'. Não era uma oração perfeita, haviam formas mais bonitas
para ter chamado, mas para um
bom entendedor estava compreensível.
Quando a
sirene apitou, tudo foi para algum lugar. A mão dele para o bolso,
os olhos dela para o vazio do raciocínio que finalmente retomara
como em uma piscada e se apagara novamente. Eles deram aquele olhar
de "estamos ferrados, né?" e ele jogou o saco plástico no
meio da moita atrás de si da forma mais discreta possível enquanto
os policiais desciam da viatura e se aproximavam. Nada na revista.
Pararam de perguntar tudo quando notaram a embriaguez, as respostas
vagas e palavras tropeçadas, os risos sem sentido. Eles iam sair
bem, sério. Até um dos policiais verem um brilho diferente no meio
do mato, perto do banco onde os jovens estavam.
Ela
não falou nada, nem estava entendendo a situação, para falar a
verdade. Não era com ela. Os policiais também não pareceram se
importar em suspeitar apenas de Lúcio como dono daquilo e liberaram
ela. Ela queria acreditar que Lúcio estava tão ocupado tentando
inventar desculpas e alibis para os policiais que nem se lembrou de
se despedir enquanto era levado para o carro, rumo à delegacia. A
verdade era que ele não exatamente o que estava fazendo. Sabia
que estava desesperado, então devia agir de forma desesperada,
certo? Não havia se lembrado mesmo
de se despedir da garota, ou ao menos de pegar seu número.
Foi só
no dia seguinte, depois de acordar na delegacia com uma dor de cabeça
terrível, que se lembrava vagamente da menina. Droga, podia ter
pegado o número dela, apesar de não lembrar muito do que falaram na
noite anterior – sabia, ao menos, que ela era legal. Seu irmão
mais velho pagou a fiança com cara feia e o arrastou pro carro, a
caminho de casa para algum sermão que seria abafado depois por
perguntas de como foi a noite. Queria lembrar. E de tanto querer
lembrar, lembrou-se que tudo que havia no bolso era a resposta para
os fragmentos perdidos da noite: tirou de lá um celular com capinha
cor-de-rosa. Estava bloqueado com senha, mas nas notificações
recentes era possível ler algumas mensagens. Perguntas de "onde
você está?", imagens e uma mensagem de algum tal de Lucas com
um "não", com direito a ponto final.
Sujeito grosso,
pensou Lúcio, Deve ser amargurado na vida.
Esperava
que a menina não tivesse feito uma pergunta importante. De qualquer
forma, veria se ia conseguir devolver o celular, se ia conseguir
encontrar a dona.
Aproveitaria para pegar o contato dela, então, e quem sabe chamar
para sair mais uma vez.
Sim,
havia sido uma noite bem legal para ele...
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